28 de fevereiro de 2021
Certa vez, encontraram-me em Paris, essa coincidência é antiga, mas eu nunca me esqueci porque ela atesta bem o que penso até então da existência. Vou contar: nesta de rede social, seguíamo-nos mutuamente eu e uma desconhecida, brasileira em Paris, eu achava fantásticas as fotos despretensiosas que ela capturava da rua, puro instinto de arte, ver as coisas como realmente são sem, necessariamente, pousar à frente do Louvre ou da Torre, ver a vida das pessoas e saber que, no final das contas, os lugares vibram porque as pessoas andam sobre eles, porque deixam marcas de batom em xícaras, porque riscam paredes de banheiro, porque riem alto em bares, porque construíram a Torre – que era um artefato de arte passageiro, não sei se sabem. Daí, um dia, houve uma marcação repentina, a desconhecida da rede social havia me marcado em uma foto em Paris e eu cá em Recife... era um muro grafitado com meu rosto indistinto em Paris, pensei muito nisso durante dias e em como se pode estar em lugares sem propriamente estar lá; devo acrescentar que não sou um rosto muito comum, admiti que minha beleza precisa de apreciação e de quem se deixe enveredar, tem quem se deixou, garanto. Lembro-me que, em época, havia ouvido ou lido que o grafite era a mais passageira das manifestações artísticas porque ela era, propositadamente, feita para ser encoberta pelo tempo; assim como eu, a figura parisiense também passará, isso todos nós sabemos. Gosto de lembrar disso e de como, desde criança, chorei copiosamente por todas as coisas, tudo me assustava em demasiado, eu sempre vi muito bem todas as coisas (ou muito mal). Um dia, muito pequena, chorei na frente do quadro de bailarina que minha vó paterna havia me dado em um aniversário, pensando que, em breve, ela seria lembrança, assim como o quadro, estava certa, infelizmente. Tudo na minha vida é atravessado por um sentimento grande de fugacidade. Um dia, eu dancei uma valsa no terraço mais famoso de Recife – furando a segurança e, logo depois, sendo advertida, junto com meu par, que estava fora das regras subir ao terraço à noite. Pergunto-te, a você que me lê: Que graça há um terraço às margens do Capibaribe se você não pode dançar uma valsa à noite? Também não sei. Quando trabalhei como uma boa operária, apanhava dois ônibus – podendo apanhar um – para descer num local conhecido antes do martírio das oito horas que me aguardavam. As coisas ainda amanheciam e eu via os primeiros sonhos adentrarem os portões da Universidade que eu havia passado tanto – tantas vezes triste, tantas vezes bêbeda, radiantemente feliz – e lá estava eu aguardando novamente a seta do trágico. Um romance enquanto escritura só existe porque houve a tragédia, todo herói sabe de seus sacrifícios e se dá todo a eles, por isso, Bataille bem diz sobre os rituais. A vida precisa de ápice e de caídas – o seu contrário – ela precisa ser tensionada ao ponto que exploda, não é à toa que todo corpo estimulado entra em ebulição, assim é a vida, esse corpo estelar. Somos seres, ultimamente, muitíssimo automáticos e talvez os milagres nos passem batidos aos olhos, por isso, que eu digo sempre crer irremediavelmente no milagre, principalmente nestes tempos. Não sou muito positiva nem quero, quero viver o que a vida me dá, quero estar, caro leitor, aos 32, sozinha ou não, num belo vestido tomando uma taça de vinho, nas margens de um rio, vendo a irremediável marcha da vida passar. Essa taça, prometida a mim mesma por mim, deveria ser no La Duanne, mas meu restaurante preferido em Recife, às margens do Capibaribe, bem ali onde as pessoas se confessam, fechou; negatividades que eu admito para mim e não tento transformá-las em balelas motivacionais. Quero encerrar esse fluxo recomendando que assistam, de novo, a trilogia que começa com Before Sunrise, Celine segura Bataille nos primeiros minutos do filme, isso já diz bastante sobre tudo. Até mesmo neste dia indigesto, caros amigos, procuro ver poesia nas coisas (garanto-te que não sou um personagem, procurei ser eu mesma), poesia absurda mesmo... como meu planner abandonado – eu tenho três – todos péssimas e frustradas tentativas de me conter nas horas do dia, cumpro minhas responsabilidades com o devir que merecem, mas sou muito minha para me descarregar obrigações antes de senti-las. Vejo você, caro leitor, como der, quando der, e você também me veja: qualquer esquina é encontro.
Comentários
Postar um comentário