25 de abril de 2021
Devo começar me desculpando, leitor, pois aí vai: desculpe. O sobreviver aniquilou o viver nessa última semana e ficamos por nos falar desde domingo. Como a aquele amigo seu que você ama profundamente, faz um lembrete mental de que logo responderá o e-mail, a mensagem instantânea ou encaminhará o poema belíssimo que encontrou e uma tonelada de louças e burocracias recaem sobre você e você fica inerte embaixo de uma demanda que não tem nada a ver com o tesão da vida.
Pois bem, embora tenha atravessado um denso inferno de capins de aço estes últimos sete dias, estou aqui e ontem até vesti uma das minhas melhores personalidades, que é a dama de unhas negras cheia de malas intenciones. Penúltima semana de Abril de um ano que arrasta corpos e deixa um rastro de sangue, Abril e já temos nosso mês mais letal desta distopia verídica, desse incêndio avisado, desta loucura. É assustador e por isso o amor me consome. Também me consome porque já já é Maio, meu mês dos girassóis e borboletas, mês morno e manso, mês de touro, que é Baco, que é Vênus e que é Eros. Mês supremo da vida e da terra, onde se planta o trigo para colher o pão e se quer amar a todos e a tudo, amanhece-se com vontade de vestir a melhor roupa e de pintar os olhos, embora eu atravesse um inferno astral ferrenho, atravesso cantando, com os pés em chamas, mas a cabeça - mais ainda nas nuvens. Um dia, um escritor, ganhador do Jabuti, não estou sendo modesta, me disse que eu escrevia com paixão sobre as coisas, escrevo com paixão porque me consumo de paixão facilmente e, por isso, odeio muito. Sou uma nativa de terra, com coração de água, o amor - esta emoção subjugada - ainda é minha bandeira de luta. Como? Vou lhe dizer. Psique amou carnalmente Eros sem nunca ter visto seu rosto, o amor era uma escuridão total, Fernando Pessoa disse que ao descobrir o rosto de Psique, Eros viu-se nela: sim, o Deus mais belo do Olimpo era o reflexo de uma mortal, imagine o susto do vaidoso Eros e a paixão que o consumiu ao perceber que amava sua metade completa no mundo, o mito grego conta uma outra história, mas eu prefiro a dos poetas, nas duas, o amor vence a ira pela ira que ele mesmo já tem em si. O amor não é pacífico nem redentor, infelizmente, ele é consumidor e ele espera para sempre, não nasce nem morre, ele só está aqui para abocanhar o instrumento de desejo, ele é sempre. Há algum poeta que diz "amado para sempre amado nunca mais amado" (ou fui eu mesma que disse? Não sei), o fato é que o amor sublima o tempo, caso não sublime: desconfie. É necessário que ele faça piada de qualquer relógio, por isso que os mitos são os mitos, já que estamos falando de mitos... Histórias universais que nos entregam o néctar mais condensado de fúria que um amor pode entregar, tudo em Édipo foi amor; depois, Antígona sucumbiu do mesmo mal, mesmo sabendo que pagaria com a vida que lhe restava, amor é isso: saber que sempre vai se pagar com a própria vida, não acredito em menos.
Prometeu amou demais os homens, Narciso amou Eco até que seus pulmões parassem receber ar e só recebessem água. Há sempre uma história de amor por trás de toda entrelinha literária ou mitológica. O Eros sempre vence e vencerá também esta positividade capenga em que estamos mergulhados até a canela, só ele pode, o Eros é explosão, é ter a sensação de brincar com a morte - e brincar algumas vezes mesmo, o amor não tende a ser correto, ele é o mesmo desde muito tempo, esse sentimento fundador. Como diz Clarice, uma molécula disse sim a outra e começamos, é necessário muitos sins no amor, erguemos muitos muros, eu, inclusive. Como Joyce, na pele de Molly Bloom, ter a verdade de poder dizer "e sim eu disse sim eu quero Sim". Escrevo tudo isso sob a influência má do meu signo de terra, eu que sou uma mulher de terra, touro que fala contigo hoje, leitor, e ele quer que você ama quem deve amar, pegue o telefone agora e escreva um Eu te amo descompromissado, vá, não temos tempo, envie SMS's para as duas ou três pessoas que você não fingiu amar e ainda ama, essa coisa raríssima. Por que fingimos? Será que o sentimento genuíno é muito aterrorizante e consumidor? Não duvido, é mais fácil fingir do que amar, você sabe. Ame você mesmo, até, sem balelas motivacionais aqui, ninguém é perfeito e eu estou já cansada desta história toda de vida positiva: a vida às vezes é uma completa droga - veja você agora - mas o amor ainda vale à pena. Entregar-se a sua história como Dalí entregou-se a sua e odiou profundamente a arte moderna e amou a sua própria arte, amar permitindo-se odiar, sem que as forças polares se aniquilem, elas precisam uma da outra, não se engane: é necessário enxergar ferrenhamente os defeitos de outrem e não negá-los, só assim vamos caminhar pra qualquer que seja a aceitação. Bem, o amor das abelhas é o que eu desejo e a vida das borboletas, o amor e seu eterno aleluia, aquele cantado por Leonard Cohen, escute. Acho que perdi o jeito, leitor, mas próxima vez será Maio e falaremos de eternidades. Fique vivo.
Comentários
Postar um comentário