02 de maio de 2021

Todo escrito é uma garrafa de náufrago. Imagino que escrever essas coisas por aqui seja eternizar-se de alguma maneira, em algum lugar, neste cérebro automático que é a internet, para que venha alguém, do futuro, ao lembrar-se de mim, ache essas caraminholas escritas por aqui há tanto tempo. Agora, é maio, como eu desejei profundamente semana passada, maio e seus sóis e suas luas belíssimas como a de ontem. No entanto, ele também vem, como todo grande amor, cheio de melancolia e músicas a retirar a poeira de cima. Nasci num dia 13 de maio, há 26 anos atrás, e isso me emociona profundamente. Clarice tentava sempre escrever 13 contos em seus livros e escreveu um deles em um 13 de maio, o conto está em A Via Crucis do Corpo, esse livro que já pelo título entrega-se a mim, leia, leitor, se puder. Essas coisas dos números me encantam bastante e, como eu já disse, sou uma mística incorrigível, por minutos não fui uma taurina com ascendente em escorpião, nasci ali entre o entremeio da entrega de escorpião e da loucura de sagitário, um papo muito íntimo para entregar a um leitor anônimo, não? Também acho, mas confio facilmente em quem vem de repente e depressa, quem chega ainda meio ofegante de correr tão rápido, sina de alguém que confia a minha, um certo karma. Em um desses dias 13 de maio, a NASA fotografou quatro galáxias colidindo entre si, explosões mútuas há 1 milhão de anos luz da terra. Que loucura poder, assim, fotografar o tempo. A tecnologia tem muito de poesia e dessa coisa de suspender certas lógicas cartesianas (pelo viés cartesiano, veja só!), o homem sempre e sempre e sempre superando-se. Em maio, eu tenho mais saudades, percebo também que sou cercada por muitos nascidos de maio. Completar 26 anos quando não vivi os meus 25 é bem controverso, principalmente porque eu me preparo para os 25 desde os 13 anos, quando eu faria duas viagens sozinha, publicaria um livro e viveria as pessoas, bem... o que são as minhas demandas perto de um grande colapso? Pois é, nada. Em maio, parte de mim, todos os anos, um barco levando-me cada vez mais longe, cada vez mais fundo pra um oceano de ensimesmices. Passo esses doze dias pensando pela casa sobre borboletas, girassóis e cartas que eu gostaria de receber dos amigos que partiram por qualquer motivo, ah se pudessem saber... Um dia, um amigo meu muito amado matou-se, a última coisa que me deu foi uma flor de papel dobrado que eu custei de qualquer forma salvar do tempo e ele foi implacável comigo, de novo, acabou-se a flor, mas a saudade ficou. Em maio, tenho disso, de lembrar de umas coisinhas que mudaram, sorrateiramente, essa vida de quase 26 anos. Lembro de, em um de meus aniversários, esperar ansiosamente pelo meu cavalete, aquarela, tintas pastel, pincéis que eu tinha pedido insistentemente ao meu pai, amanheceu e nada de presente, sofri muito; a noite chegou e eu decidi que o esperaria, não era possível que ele havia de não me presentear nos meus treze anos, oras! logo eu! ele chegou e me disse "bem, filha, nada de presente esse ano", morri ali, não pelo presente, mas pela falta de lembrança. Entramos juntos em casa com minha vó e lá estava: todo o kit de pintura que eu paquerei dias na livraria Modelo de Casa Forte, nunca compreendi como o presente foi parar dentro de uma casa vazia e pouco me interesso por desvendar, há mistérios que necessitam ser conservados. O que me encanta não é de fato o presente, mas a alegria de quem me dá e a surpresa que aquilo me causa: galáxias colidindo, um pedaço de papel escrito saudade, uma música que pula com "lembrei de você", uma qualquer coisa pífia que eu hei de guardar comigo até que eu não seja mais carne. Gosto do interessante e obsceno, qualquer coisa de desejo, qualquer coisa de entrelinha, qualquer coisa não esperada. Eu gosto de ser surpreendida, talvez por isso odiei tanto os 25, nenhuma surpresa, para nada, apenas desgastes políticos, emocionais e o mesmo dia se repetindo por dias a fio. Bem, talvez essa semana eu consiga ir à praia de cabelo solto e pisar um pouquinho na areia, como a um pecado, de maneira clandestina para mim mesma, ouvindo Alceu Valença me chamar enquanto grita Maria e Sol, é o que veremos. Ainda sou ela, aquela, batom vermelho, girassol, que se espremia entre multidões. Tenho muitíssimo de vermelho em mim, em tudo, sobretudo no sangue, por isso A Via Crucis do Corpo é um livro que me pertence e Recife é o meu lugar. Escute os meus Sete Desejos, leitor, e descubra. É Maio, há crianças que me amam e há plantas a serem regadas. Eu já escuto os sinais de novos anos e nova vida.

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