21 de junho de 2021
Junho quase passou inteiro e eu não te retornei, leitor. Mas eu voltei. E já peço o perdão da ausência que, possivelmente, se repetirá qualquer tempo desse, mas temos o hoje e, no hoje, eu estou aqui. Não sei muito o que dizer frente à catástrofe dos dias, não sei dizer-me bem quando há 500 mil tupiniquins que não retornarão ao lar, que não reclamarão do trânsito, que não se atrasarão para festas, que não suspirarão de amores, que não mais chorarão bêbados num bar enquanto contam a um amigo os impropérios de amar alguém, a morte é uma coisa esquisita, já dizia Bukowski e não há nada o que fazer sobre ela, ela é uma verdade inexorável a que temo muito, devo confessar-me. Queria não temê-la, mas a temo, tenho medo não necessariamente de morrer, mas de deixar coisas não vividas, o que é uma realidade dos que morrem, por isso, assusta-me a mudez do luto quando um país inteiro segue, aparentemente, intacto, festejando a morte de meio milhão de pulsões. 500 mil pessoas é um terço da cidade do Recife, morrendo, súbita, em um ano e meio de catástrofe, não há normalidade neste padecimento, as palavras ficam curtas e poucas quando se consegue, minimamente, imaginar esta catástrofe. Este parágrafo de luto encerra-se aqui, leitor, mas queira refletir sobre ele e acender uma vela quando puder para este turbilhão de almas que se desprenderam compulsoriamente daqui. Amém.
Recife e junho. Duas coisas profundamente nostálgicas que desencadeiam lembranças vivas de passado e vontade de futuro. Recife é a minha cidade, o meu lugar, não moro propriamente nela como gostaria, mas ela me ronda e, se me desloco, vou ao seu centro. Recife é um lugar mágico embebido em amores vastos, complexos e que se deixam por aí para que a cidade mesmo os resolva. Há quem diga que Recife é encantado, eu acredito, é um lugar de sonho. Quando sonho, continuo em Recife encantado, é um lugar onde o vórtice do passado e do futuro se atravessam, pisa-se no solo do achamento do Brasil e, clama-se, um futuro mais decente. Todo mundo, de alguma forma, conhece-se e está marcado a cruzar-se mesmo que não se saiba. Quem vem a Recife, fica, venha de onde vier, França, Espanha, lugares mais próximos, eu sei dos testemunhos. É um cidade de luz amarela e de água calma, mas de muitos tubarões, tem cheiro e textura específica, longos cabelos e olhos celestes. Muitas estrelas, muitas passagens secretas e muitas letras, é uma cidade de pesca, por exemplo. Enquanto as torres erguem-se na extremidade de suas pontes, do outro lado, há meninos pretos que arremessam as suas redes. Quando chove, chove muito, apocalíptica cidade. Quando se insolara, desperta vontade de vida, vontade de lotar os teatros e bares, de passear sobre a brisa do mar, criar grupos ou duplas e ir admirando o cair da tarde. É um lugar de céu e inferno, o perfeito equilíbrio pagão de duas faces da moeda, é um lugar leal e certo. Onde são vastos os amigos e os beijos nas esquinas. Tudo aqui é meio poético e meio caótico; por isso, profundamente vivo, é um entremeio de vida, sente-se o ar de Recife inebriado, há sempre o que se descobrir no seu território pequeno. Não morra, leitor, sem viver esta cidadezinha de sebos e futuros utópicos e, também, de grandes revoluções, quase mensais, a gente sabe gritar e dançar e frevar e dançar o forró de Junho. Em Recife, até ontem, havia fogueiras em toda a casa, mesmo na cidade, dançava-se e ouvia-se sanfona - para mim, a de meu avó - éramos mais felizes e carnais antes das 500 mil mortes que não frevarão, dançarão ou ouvirão qualquer sanfona. Como vês, leitor, mesmo que eu "arrudei", a coisa da morte ainda me pega, mas eu tentei. Para hoje, a clássica "Junho", de Alceu Valença, este pernambucano. Eu sei que é junho, esse relógio lento, esse punhal de lesma, esse ponteiro, esse morcego em volta do candeeiro e o chumbo de um velho pensamento. Até mais, leitor.
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