02 de agosto de 2021
Uma das coisas mais difíceis sobre a escrita é como começar um texto. Aqui mesmo, eu pensei muito para escrever sobre a real dificuldade que ronda o mecanismo de começar a dizer alguma coisa. E este era meu começo perfeito de hoje: dizer a dificuldade de dizer. Já pensou, leitor? As primeiras palavras de uma produção, de um e-mail de apresentação, a primeira pergunta, a primeira resposta. As primeiras palavras desse texto que é a vida - demoramos anos para finalmente dizer alguma coisa, quando dizemos, pequenos, não paramos mais de dizer. Uma amiga minha falou primeiro a palavra "lua", eu sempre me encantei por esta história e queria que ela fosse minha, não é, mas eu tenho outras. Depois que dizemos, perdemos algumas outras comunicações, como a careta - outra coisa que aprendi com um amigo, que, entre um portão e uma porta, dizia-me das maravilhas sobre a expressividade humana perdida com a adultez, realmente, perde-se muito. A inibição é um problema de saúde pública. Você vai perdendo, enquanto crescem os ossos, o jeito de sorrir mostrando todos os seus dentes e o jeito de chorar sem problema nenhum com a careta que se forma - chorar porque se está triste é, por si só, a alma fazendo uma careta horrenda de tristeza. Então, crescer é mentir um pouco? Acredito que em partes, leitor. E também desmentir-se quando encontra-se um par (ou dois pares, ou três, você sabe...) - bem, o fato é que quando a alma transborda nas mãos de alguém não há mais como mentir existencialmente, quero dizer, não há mais como mentir a felicidade para quem te conhece feliz. Você pode mentir, é claro, o receptor vai fingir que acredita para te ajudar a suportar, assim é. Voltando ao assunto: crescer é, também, aceitar o tempo como um convidado, finalmente; em vez de trancá-lo para fora de casa. E, além de tudo, crescer é dar-se conta de que se cresce sempre, como se cresceu na infância, crescer dos vinte para os trinta, dos trinta para os trinta e dois e, assim, até que se cresça tanto que seja a hora - e que ela demore para nós, porque há muito a se crescer ainda. Dar-se conta de que ainda se está crescendo é ver que há ainda muito, muito, muito, muito, muito para aprender e que o mundo é grande. Clichê? Sim e verdadeiro. Dei conta que cresci essa semana mesmo: nos corridos anos de 2015 eu escrevi um poema sobre a ave do Paraíso, usada como metáfora para um romance raríssimo, o detalhe é que eu sequer me dei conta que nunca tinha visto uma foto da ave do Paraíso até semana passada, 2021, sete anos se passaram e eu percebi o crescimento do detalhe dentro de mim - e a ave era tudo aquilo mesmo e meus olhos não são mais os mesmos, o poema se perdeu e eu deixei que fosse sem segurá-lo muito. Tem coisas que sinto que precisam ser perdidas para que sejam posteriormente encontradas, se assim quiserem. Assim é o tempo, aglomerado de insatisfações e partidas - todas com sua beleza que faz algo valer as penas desse fim dos tempos. Esses dias fiz uma pergunta irresponsável a um Oráculo - sim, isso mesmo leitor, eu tenho as minhas magias - e o Oráculo me respondeu com a resposta que meus ouvidos queriam, festa para minh'alma. Mas o Oráculo não falou do tempo e eu esqueci-me do tempo, assim sendo, a resposta pode demorar a vir, pode demorar tanto que eu talvez esqueça da pergunta - hoje, senti que demorará e não tenho mais onde pôr a felicidade de desprezar o contexto do tempo. Ele me amassou. Bem, eu nunca mais escreverei esse texto e já perdi esse momento, percebe? E você acabou de ler essa frase e não pode mais deslê-la, por isso, sempre tento te escrever uma coisa bonita, que valha a pena o tempo corrido, ele é irremediável. O tempo hoje já me mudou porque eu aprendi muito: aprendi a não responder mensagens quando não quero ou não posso, aprendi a persistir um pouco mais e o melhor aprendi o tempo certo de adicionar verduras ao peixe, o que é, por si só, uma grande metáfora. Todo aprendizado é uma metáfora de tempo. E assim a gente vai de metáfora em metáfora. Escute metáfora, de Gilberto Gil. Sinto que estou pessimista, é que já é agosto e eu só cresci para dentro. Uma frente fria cobre o Brasil e eu sofro muito no frio, não vejo beleza alguma, só um buraco existencial se alargando, agora ele já toma horários indiscretos, como o meio de uma aula - mas eu sei mentir como ninguém, cresci, afinal, e continuo indo. A pergunta é sempre: para onde? O bom é que ainda vou com os sonhos de sempre, que é o que me faz crescer ainda mais na direção de sempre também, mudo muito pouco, mas sempre cresço nas minhas fiéis características. Pois bem, leitor, atente ao tempo e, sempre: fé no futuro - mesmo que, um dia, o futuro seja o abismo. Cuidado com as perguntas irresponsáveis (mas faça-as). Leão há de trazer boas novas e beleza indiscreta.
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