16 de março de 2022

 Eu sou muito pequena, leitor. E isso me dá enormidade. Na minha pequenez eu posso fazer coisas gigantescas sem alarde. É a insignificância que nos defende, por isso, mata-se e, tantas vezes, não descobre-se, ninguém sente nossa falta, somos órfãos e essa é a nossa dádiva: não ser notado. Não sendo notada, eu posso arriscar passos de dança na rua e ficar parada por horas na frente do mar sem ter que me justificar, a minha pequenez me põe pra fora. Posso demorar-me em conversas longas em mesas à tarde de uma quarta-feira, se não devo nada, ninguém me chama, posso voar. Posso ser grande ali naquele momento, posso construir minha teia com outros pequenos e sermos imensos para nós dois, tão imensamente pequenos que nos misturamos. Não somos sequer mais de meio século, ainda me construo e assim vou lenta na minha pequenina, mas avassaladora sede de viver. Como as coisas pequenas, deixo-me ver mais de perto e vou crescendo cada vez que se aproximam, é como olhar de perto uma ostra: um pequeno cosmo, mas ainda assim limitado e aos montes. Depois de muito pensar sobre ser vista é quando não sou vista que me vejo, quando perco a consciência de mim e minhas sobrancelhas relaxam, eu falo muito sobre o desejo, mas é na falta da fala que o desejo vem, essa dualidade tece toda a graça da vida. O pequenino se salvará à grande visão que é o hoje, escapará sorrateiro com sua poeiras e plânctons, será belíssimo e eterno, porque se ninguém o vê, ele não acaba. Manoel de Barros prefere garças de brejo a naves espaciais, eu também.


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