12 de setembro de 2022

Volto como quem volta de uma temporada no inferno, leitor. Não que não tivesse me ocorrido escrever, ocorreu-me, mas era deveras perigoso confessar-me aquela altura, depois da perda, da morte, das cinzas, do luto e do abandono, qualquer coisa é muito perigosa para quem escreve com as vísceras, pode-se, sem querer, com a palavra certa, na hora errada, abrir a caixa de pandora e se perder no sofrimento, não sei se os poetas já falaram o suficiente que é na tragédia que a poesia cintila, nunca é demais lembrar. Por isso, nesses tempos obscuros, a poesia ricocheteou nas minhas costelas, como quem quer quebrar as grades de uma prisão com uma faca de osso, foi difícil e sistematicamente choro a doses pequenas o que me aconteceu. Não me pergunte o quê, não sei contar, logo eu, não sei contar. Sei sentir e, agora, o que sinto é um tremor das coisas novas: o novo velho quer voltar de novo. Fui muito ao teatro nesse espaço solitário, pra sentir o outro e dar vazão ao pranto sem que me vissem, em um espaço onde tudo pode e, onde, aí vem o clichê: as máscaras caem. Não que eu esteja com uma máscara, nunca estive, mas ainda é difícil chorar. Senti o debater-se de um pássaro nas mãos, a última faísca de vida, literal e metafórica de uma vida: foi-se e fim. Fim, fim, fim e eu precisei dizer sim, sim, sim para o fim. Aceitar é, antes de tudo, ganhar a batalha contra o ego, por enquanto. Que loucura, leitor, que loucura todos esses meses abarrotados em um só sentimento que se estica como um gato no assoalho. No entanto, descobri coisas fantásticas sobre mim, que ainda sei escrever poemas de amor, que ainda sei dançar, que ainda sei cantar no chuveiro e sei ocupar uma cama sozinha. Aprendo a bater pregos, a não esquecer a água ou o pão e relembrei a delícia do silêncio para quem vive com os pés na lua. Ainda sou eu, ouvindo o chamado da vida com minha visão ruim, meus papéis e minhas histórias. Eu ainda sou eu querendo mudar o mundo pela palavra, por isso, falarei sempre de amor, com a doçura de quem já provou e espera por mais na calmaria de uma solitude amena. Não que eu seja suficiente para mim, mas eu posso ser amável comigo como sou com o cego que atravessa a rua e esta é minha maior vitória. Esteja atento a você, leitor, nem tudo que reluz é ouro e qualquer hora é hora da morte. Não quero que soe pessimista, mas nunca esteja pronto, mas atento. Estas pronto e precaver-se e, na vida, precaver-se é uma piada. Saiba, também, que é possível reerguer-se do mais obscuro pronto, luzes amarelas são as melhores, os rios sempre correm e, por enquanto, os livros são eternos.

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