13 de novembro de 2023

 Que crime o meu. Não me perdoe, leitor, porque eu não me perdoo. Não perdoo o abandono da escrita, não há o que eu possa fazer com o que vi e perdi para sempre porque não tive as palavras. Não foi escassez, foi excesso, tenho pensado tanto que eu não consigo dizê-las sem perdê-las antes e o que digo acaba sendo apenas uma pueril representação do que me passou primeiro. Mas, vou te contar, esses dias, a música me transbordou, chacoalhou-me como uma folha pequena numa tempestade. Eu te conto. Fui ver a Orquestra Sinfônica do Recife tocar a Missa Armorial, de Capiba, existe a satisfação artística comum e existe o que eu sinto: o que senti foi como se eu escutasse uma corrente elétrica, como um arrepio dentro da cabeça, há algo de muito potente no ritual do teatro, eu sempre vou acreditar na Arte, não importa, é por isso que não me perdoo. Uma orquestra inteira segue leves e minúsculos gestos, sons agudos, graves… todos seguem os misteriosos comandos minúsculos de mãos pequenas e assim se faz uma melodia. Tchaikovsky deve ter amado muito, deve ter sofrido muito - ninguém pode ter as pistas, mas eu imagino seu coração indo ao fundo como baila o cisne solitário, deve ter sentido tamanha solidão que alongou as notas de sua partitura. Dia desse, enquanto meus alunos faziam atividades, coloquei Tchaikovsky para que ouvissem, eles não chegam aos 11 anos, todos se emocionaram, muitos me disseram que sentiam “uma tristeza boa”, “que sentiam as lágrimas nos olhos e não sabiam o porquê”, era a poesia bailando, leitor. Há dias que ela me sufoca, estrangula-me mesmo, eu não consigo sequer ser uma pessoa comum, ela reivindica seu espaço para afogar a aparência do dia. Ver a Sinfônica é afogar a inutilidade da vida, é dar sentido a existência do tímpano.   Tudo em mim vibrava, eu sentia minha pele em festa e não queria sair da escuridão para a realidade, eu queria a mentira autêntica da Arte para sempre em mim.  Ver a Sinfônica é deixar que algo limpe por dentro e deixe mais espaço para que ela, a poesia, seja inútil. Como ela exige que seja. Há dias, no entanto, que eu a exijo e nada. Nesses tempos, sou a mais normal das mulheres, compro batons, sapatos, calcinhas, corrijo, lavo, rio, tudo na sua ausência e sou mediocremente feliz, livremente feliz, até que acordo com uma ideia na cabeça, que não me diz por onde sair, não quer ser tela, nem palavra, gesta sendo um sonho, esquecido sonho, até que nasça, estrambólica, pulando das minhas mãos com a exigência de um recém nascido. Nunca soube construir uma ideia, ou ela vem e me aniquila ou ela não existe, por isso, acredito no dom e no destino, não fosse eu, não fosse aqui e não fosse agora: quando e onde, leitor? Também não sei. Eu volto em breve. É uma promessa de sangue. 

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