17 de dezembro de 2023

 Apaixonar-se. Eu queria escrever sobre as mil desventuras que vivi psiquicamente esse ano, leitor, mas a paixão chegou e, chegando, não houve mais o que eu pudesse fazer a não ser esfarelar-me, sozinha, sob a pulsão desse sentimento tão brutal e, de certo, completamente não solicitado. Percebi, no entanto, que não sou mais a menina de 21 que se apaixonou pela última vez não vendo a quem, como ou porquê, hoje, os sentimentos vastos consomem boa parte e de forma mais obscura o que parecia ser razão. A gente perde a razão quando se apaixona, leitor? Estamos perdoados pelos excessos? Estamos perdoados por magoar profundamente o outro quando cegos pela paixão? Será que racionalizar a paixão é matá-la? Meu eu de 21 anos riria muito dessas perguntas, a juventude tem sua simplicidade, sua falta de contornos definidos, uma certa fluidez… O que pareço aprender a duras penas é que a paixão não perdoa, nem quem a sente nem o objeto amado. A paixão quer reivindicar, tomar, pilhar, o outro e o eu. É uma guerra. Achei, bobinha que sou, que, aos 28 anos, eu teria o tato necessário para conduzir uma paixão… quem conduz o que se conduz por si só? Não há cenário em que a paixão não comande o corpo que lhe é hospedeiro. Ela assalta e faz absurdos. Eu sempre tive a nítida impressão de que me sentia doente quando apaixonada e era o corpo do outro meu único alimento, a única hóstia que poderia me conduzir aos caminhos do que me era mais sagrado, do conhecimento próprio, da visão ampla da vida, da fundição entre o eu-tu, Ele-ela clareceanos, e tudo estava ainda aqui, não era só uma impressão - era assim mesmo que eu sentia a paixão: como um bicho. Tão selvagem que a palavra, esta que talvez seja, sim, meio maior charme ficou pífia, desaprendi a organizar os sentimentos em frases, tudo pareceu pouco, inútil, era ela, ali, a paixão, colocando-me a ver meus próprios navios zarpando ao fundo. Querer tudo, mas não aceitar tudo. Vai ou racha. Preto ou branco. Sim ou não. Tudo parece complicado quando não se sabe mais por onde começar quando existem as travas do corpo, do gênio, da angústia própria da vida, do pensamento egoísta da solidão. A solidão também é um vício, leitor, confortável lugar onde não se tecem contatos, onde a vista vai até onde se vê, castelo de cristal onde se esconde a vontade - até de mim. Custa, até para mim, acreditar na moeda de ouro da minha solidão, custa mesmo, para mim, explicar que, para mim, existe o prazer de, ficando em silêncio, não existir. Eu tenho amigos que fizeram isso, eu os invejo profundamente. Eu estava ali, chegando lá, quase me trancando às sete chaves. Quase. Quase. Quase na delícia da insignificância. Quase conseguindo fazer tamanho silêncio dentro de mim que eu ouviria talvez o eco de algo que tento escrever desde que aprendi, não estava distraída, estava, vagarosamente, buscando ser uma coisa entre coisas. Mas, a banda passou e eu ouvi aquela melodia… estava ali, na minha frente, de novo. Mas cobrava seu preço, é claro. No cair das cortinas, a paixão desmascara e é bom estar preparado para o que se vê, o problema deve residir por aí: nunca se está preparado totalmente. Querendo o que não se tem - porque, de fato, nada se tem - a paixão perfura, gira a faca e não se desculpa, presume que se sabe, quando não se sabe quase nada, ela chega agora e quer falar e falar e falar e arrancar a Verdade indistinta do Outro. O Grande Outro. Este que me completa, sim, este que mereço, sim, este que me aterroriza. Sim. Guerras são passionais. Mortes são passionais. Bombas são passionais. A paixão quer escapar pelos sete buracos da nossa cabeça, sempre. Ela não cabe em si. Eu sinto, com supresa grata, mas também complexa, os pelos da nuca eriçarem minutos antes do contato mínimo, a paixão prevê. Para Cristo morrer, havia de ser paixão mesmo pelos homens, só a paixão justifica. Só a paixão deixa a terra do ser arrasada. Complexa, mesquinha, limitada paixão, amada paixão, difícil paixão. Que bom que você veio. 

Comentários

  1. Yasmin, você não atendeu o carteiro nessa terça-feira. Ele fará uma nova tentativa amanhã. Você precisa estar em casa para receber a sua carta. Amo você. Sempre.

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